Sábado, 20 de abril de 2024
 
Uma “orquestra” para combater a fome na Venezuela
 
O informativo semanal católico “Alfa e Ômega” publicou, em meados de janeiro de 2019, uma excelente reportagem sobre os trabalhos de ARCORES na Venezuela: no contexto da reestruturação de suas províncias, a Ordem dos Agostinianos Recoletos colocaram em prática a Rede Solidária Internacional ARCORES. Na Venezuela, o primeiro país onde foi implantada, o número de projetos sociais duplicou em um ano e meio.
 

Na lógica da evangelização e da caridade, a matemática do “um mais um” não resultam, necessariamente, em “dois”: podem ser quatro ... ou cinco. Um exemplo concreto: quando, em 2016, os Agostinianos Recoletos decidiram reestruturar suas oito províncias em quatro –caminho que se concluiu em outubro de 2018-, um dos primeiros passos dados foi criar a Rede Solidária Internacional Agostiniana Recoleta ARCORES.

“Vínhamos trabalhando no México com a questão da saúde, no Peru com o saneamento, nas Filipinas com a ecologia... ARCORES é um esforço de interconexão, como acontece em uma orquestra. Por exemplo, temos grandes músicos especialistas em seu instrumento –explica Javier Sánchez, diretor executivo da Rede– que se juntam a outros instrumentos para a harmonia de uma orquestra”. Assim funciona ARCORES: as 150 iniciativas sociais da família agostiniana recoleta presentes em 22 países intercambiam recursos, estratégias e boas práticas. No serviço ao próximo mais necessitado, estão envolvidas todas as suas obras presentes nos conventos masculinos e femininos, paróquias e colégios-, unindo jovens e adultos, consagrados e seculares, todos trabalhando unidade e em rede com outras entidades, sejam da Igreja ou não, num serviço integrado e harmonioso, como numa orquestra.

A reestruturação da Ordem dos Agostinianos Recoletos, além de ter o objetivo de revitalizar seu carisma e fazer com que todas as comunidades sejam mais evangelizadoras, responde à uma necessidade que se constata no setor social internacional. “Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio –explica o diretor executivo de ARCORES– não funcionavam tão bem como poderiam porque cada grupo se centrava no que mais se relacionava no seu âmbito. Com a constatação de que a pobreza é cada vez mais multifacetada, fica difícil abordar as necessidades atacando somente um aspecto da realidade”.

Sánchez acredita que este erro se tratou de corrigir na Agenda 2010 e, assim, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis vieram acompanhados com algumas propostas que ARCORES assume como próprias. Por exemplo, superar a lógica do doador-receptor, segundo a qual nos países ricos se consegue dinheiro que se inverte nas regiões em vias de desenvolvimento. O objetivo da equipe técnica internacional da rede solidária ARCORES, constituída em dezembro de 2017, é que em cada país onde esteja ARCORES, haja arrecadação de fundos e também ação social direta e local. Isto quer dizer que os países desenvolvidos tenham um olhar mais atento às necessidades mais próximas, e também uma incentivem mais o autofinanciamento nos lugares menos favorecidos.


A valiosa contribuição dos venezuelanos

Este desafio foi assumido com todas as suas consequências na Venezuela, o primeiro país onde se constituiu uma rede nacional de ARCORES. Em julho de 2017 (antes inclusive que a equipe internacional), fizeram chegar de forma efetiva o que se tinha obtido na campanha que a Ordem promoveu, chamada “Unidos com Venezuela”. Desde o início os responsáveis colocaram como objetivo que 40% dos fundos viesse do próprio país, ainda que estivessem plenamente conscientes da dificuldade em atingir esta meta.

Frei Eddy Polo, vigário provincial dos Agostinianos Recoletos na Venezuela e presidente de ARCORES Venezuela, explica que cada projeto tenta arrecadar fundos em seu próprio lugar com pequenas doações particulares -muitas vezes anônimas- e também com doações de empresas... “Nós completamos o que falta até alcançar a quantidade de dinheiro que se planejou”, com arrecadações dos sócios venezuelanos e com a ajuda exterior. No momento só alcançamos uns 30% de autofinanciamento, já que 70% procede de fora da Venezuela, especialmente de outros países da América Latina como a vizinha Colômbia, Peru, Argentina, Brasil e dos venezuelanos que emigraram. Para frei Eddy Polo, é de muito mérito o compromisso dos venezuelanos que permanecem no país. “Notamos o calor humano das pessoas apesar da dificuldade do país, cuja situação vai de mal a pior. Muitas entidades pedem nossa ajuda e, como a providência de Deus é tão grande, nunca nos faltou.”


Além da emergência

De fato, esta nova perspectiva -que pede a todas as realidades agostiniano-recoletas desenvolver a criatividade para a ajuda chegar a mais pessoas, fez com que se duplicassem as obras sociais de ARCORES. Em um ano e meio passaram de 12 a 25. “Conforme tomamos conhecimento de casos de necessidade, sobretudo em zonas de extrema pobreza, uma equipe técnica as avalia e destina a elas uma parte do dinheiro. Também há um acompanhamento para que todos respirem este sentido de serviço à Igreja e não nos convertamos em uma simples ONG”.

Frei Eddy Polo Explica que, em um primeiro momento, a prioridade foi ajudar na emergência, sobretudo alimentícia. Os projetos principais neste âmbito são as “panelas comunitárias”, três da quais estão organizadas por jovens. Depois se tentou melhorar o atendimento médico, criando ou reforçando consultórios e enfrentando a situação como se pode, sobretudo chegando ajuda de fora com produtos na bagagem de pessoas conhecidas, pois falta medicamentos e existem obstáculos do Governo que prejudicam a ajuda externa.

Também existe o reforço dos projetos educativos nas zonas mais pobres do país, assegurando que os alunos recebam, também e pelo menos, café da manhã e almoço. ARCORES se envolveu, por último, na reabilitação de três residências para idosos sem recursos das Agostinianas Recoletas do Coração de Jesus. “Estavam em muito mau estado. Melhoramos a assistência médica, a alimentação e a vestimenta e, agora, cada centro atende mais pessoas”.

Tradução: frei Mason
Texto original de María Martínez Lópes

Duas semanas buscando alimentos

Quando várias pessoas se aproximaram de padre Iván Merino, agostiniano recoleto da paróquia María Imaculada em Maracaibo pedindo alimentos, o sacerdote propôs ao grupo de jovens colocar em prática uma “panela comunitária”. Eduardo Sogliani, jovem de 26 anos que estuda na universidade e trabalha na coordenação de uma equipe de 50 pessoas, metade jovens e metade dultos, testemunha que “sozinhos não podíamos, mas com ARCORES, sim, foi possível”. A cada 15 dias proporcionam uma refeição para umas 200 pessoas.

A equipe sonha em poder fazer isso todos os dias, mas no momento é difícil de se conseguir comida cada fazer a refeição a cada 15 dias. Durante duas semanas eles pesquisam preços, pedem doações aos poucos comércios que, “não queremos perguntar como”, seguem sendo prósperos. “Alguma vez só demos sopa porque não havia carne em nenhuma parte”. Eles contam com pequenos donativos dos próprios fiéis, que “dão o que não tem”, e reservam a ajuda de ARCORES para emergências e comprar utensílios de cozinha.

Antes da refeição eles dão uma pequena palestra sobre valores e algumas noções básicas de cristianismo. “As pessoas estão esgotadas pela situação e há muita desesperança, o que leva à hostilidade e à delinquência. Tentamos criar consciência de que, se cada um contribui sendo um bom cidadão, praticando caridade e tendo esperança, contribuiremos para que o país melhore”.


“Até o pessoal que trabalha passava necessidade”

Escabiosis (sarna) e desnutrição nas crianças; enfermidades respiratórias e gastrointestinais que necessitam antibióticos; diabetes, hipertensão ... enfermidades sofridas por pessoas que não podem permitir-se ir ao médico ou pagar uns exames, nem tem como comprar medicamentos. São estes os casos que mais aparecem no consultório São Judas Tadeu, em La Pastora (Caracas). Faz 45 anos que os agostinianos recoletos começaram ali e agora contam com a ajuda de vários membros da fraternidade secular da Ordem entre as pessoas que ali trabalham.

Entrar em ARCORES lhes permitiu renovar os equipamentos do laboratório (agora fazem 40 exames diários em vez de 15, e a um custo muito menor), como instalar um ultrassom e um eletrocardiógrafo. Ter uma contribuição econômica garantida lhes permite conseguir mais material. “O de odontologia está tão caro que fomos obrigados a reduzir o serviço. Comprando com tempo, evitamos que a inflação corroa nossos recursos”, explica Mariam Morales, enfermeira e responsável do centro.

Outro passo importante é poder oferecer um salário aos profissionais, que antes trabalhavam de forma voluntária. “A caridade começa em casa, e os próprios voluntários estavam passando dificuldades para comprar o básico”, explica Morales.


Boom de vocações

Com 1.050 refeições doadas cada dia, o refeitório da Divina Providência, das Agostinianas Recoletas do Coração de Jesus em Los Teques (Miranda), é a maior obra de ARCORES Venezuela. Antes de entrar na rede, elas só podiam atender a metade de pessoas. “Era muito difícil conseguir os alimentos. Agora não estamos tão sozinhas”, explica madre Marelis, responsável pela obra.

Elas também doam comida crua suficiente para vários dias para pessoas que, do contrário, teriam que fazer três ou quatro horas de viagem cada dia. As crianças recebem uma porção especial de leite com cereais, e se dá alimentação suplementar aos pequenos desnutridos. “No início tínhamos 100 deles, todos estão melhores agora” e o serviço se estendeu aos pacientes de um hospital da região. A ajuda de ARCORES permitiu, também, abrir uma casa para 40 menores abandonados, com os quais também partilham a comida.

Na verdade, o convento destas religiosas em Los Teques é a cada de formação das noviças. “Por causa da realidade do país, passamos a atender as pessoas –narra a superiora. Muitas moças vêm nos ajudar e dentre elas surgiram vocações, moças que se entregam a Deus de forma muito bonita e estão alegres em trabalhar pelos demais todos os dias da semana”.
 

Texto publicado na edição Nº 1102, 10 de janeiro de 2019, emhttp://www.alfayomega.es/174517/una-orquesta-para-combatir-el-hambre-en-venezuela?fbclid=IwAR0hTQx-C98AV44QMYZG0GekGZrYT5QIdEQa6zVxWsQClLPENv4PiZvA_K0

Tradução: frei Mason